terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Plantão de Estilo - por Nereide Michel

A moda:

- bem de consumo não estático;
- alimentadora de sonhos e desejos;
- palpável na forma e na textura;
- mutável nas interferências sobre o modelo original;
- exibida, sem se mexer, em vitrines;
- presa, sem movimento, em cabides;
- dimensionada para certas medidas;
- rebelada nos seus usos;
- existe por que se molda a um projeto, que lhe traça contornos – a partir de quem a cria;
-  existe por que se molda a um corpo, que lhe dá definições - a partir de quem a veste.

A moda é este contraste entre o que é e o que não é real. Como uma deliciosa fruta que se segura com as mãos, se sente o perfume, admira-se o formato e, finalmente, se degusta apreciando-lhe o sabor. O que fica é a sensação de saciedade – a satisfação de ter deglutido mais que uma lista de vitaminas e nutrientes necessários à subsistência.

A moda não é apenas o vestido, a calça, a camisa: ela estimula vontades, provoca reações, faz rebuliço nas intimidades, grita e emudece... Fala muito por que enxerga muito. Fica calada por que reflete muito.
A moda com palavras assim é a moda costurada por Alexandre Linhares, estilista curitibano, com atelier, há dois anos, numa rua que tem Prudente no nome. Bom que seja apenas no nome. Alexandre troca prudente com freqüência por ousadia, palavra considerada mais pertinente a quem opta por se guiar pela própria bússola, desvinculada de um norte seguro.

 Ele costura à máquina, alfineta tecidos, faz e desfaz nós até que a roupa encontre seu corpo gêmeo. Cada coleção que lança com a sua marca, Heroína, – já são 17, quatro por ano – ganha uma dimensão extra que incomoda e perturba a ponto de ocorrer uma trombada com a beleza onde menos se espera.

 
foto: Thifany F.

Imagens e palavras assumem o comando de um áudio-visual ou na ausência delas, performances se posicionam e obrigam a um desvio de rota. Foi assim que vestido de noiva num movimentado cruzamento curitibano, Alexandre Linhares fez pensar sobre o SIM! SIM! SIM!
Ou num expressivo vídeo abriu os olhos, rezando para Santa Luzia, de quem padecia de miopia crônica diante da emoção.

Propositadamente enrugados os panos deixam aflorar o belo que não se perde nas dobras dos tecidos – da pele?

foto: Gio Soifer

No jogo da vida, bolas encaçapadas nada escondem, ao contrário, trazem à tona lembranças que alinhavam passado e presente num mesmo molde genético.


foto: Gio Soifer

Por isso, não admira que Franz Kafka seja hóspede ilustre do mesmo atelier da Prudente de Moraes, no verão 2012, Alexandre Linhares lhe escreveu uma carta, com carinho e desvelo, motivado pela frase do escritor: - “ Quem possui a faculdade de ver a beleza não envelhece.” Vide como e por que clicando aqui:



INFORMAÇÕES EXTRAS

Alexandre Linhares já lançou 17 coleções com a marca Heroína:

- A Primeira: desenvolveu um tingimento artesanal e trabalhou apenas com malha branca Estampas com transfer e detalhes bordados em paetês. Fotografada num pasto, no caminho para São Luiz do Purunã.
- Special Black Label Collection: malha preta supera a branca, vestidos amplos sem ajustes; a mulher tem um corpo inteiro a ser valorizado – conceito geral do seu trabalho.
- Old School: referência aos anos 50, com tudo deslocado do lugar.
- Memórias do mar, memória das águas: a musa Maria Bethânia lhe inspira através do cd Mar de Sophia – companhia constante na mudança de casa.
- artsy: uniformes para um time de super-heroínas, como uma equipe, uma liga. Campeãs.
- Heroínas Aladas: a modelagem ampla permanece misturada a vários retalhos. Monta uma peça de tecido para criar roupas. Desenhos remetem às asas, que podem estar livres ou amarradas no corpo.
- Heroínas Aladas 2° ato: elas ganham capas para poderem voar. Se o Superman tem...
- Les fleurs pour Marlize: homenagem à mãe. Foi a primeira vez que utilizou vídeo para apresentar uma coleção. Imagem e som na passarela virtual.
- Heroínas aladas 3° ato: elas retornam para aterrissar nas vitrines da multimarcas Gappy numa edição especial.
- Nos seus olhos: inspiração em Santa Luzia.


Coleção m, Thifany, mulher, musa, maquiadora, mãos dadas com Alexandre.

foto: Bruna Mush
- m: a forma de um um casal de mãos dadas revela a proposta da coleção. Modelagem em formato de “m”, sem costuras na cava.
- sim,sim,sim: a coleção foi lançada numa performance que durou 12 horas, na qual Alexandre Linhares permaneceu em pé no cruzamento da Visconde de Guarapuava com a Alferes Poli. Treze artistas foram convidados para registrar a ação. Vestido de noiva, o estilista intencionou fazer um paralelo com a entrega da mulher no (ao) casamento. A partir da performance e dos seus registros desenvolveu a coleção.
- ipê-roxo: na primavera, as flores do ipê-roxo sinalizam o caminho do estilista até o seu atelier. E inspiraram uma coleção onde faz a primeira experiência com a aplicação de tecido, em formato de ramos – referência às árvores que ladeiam sua calçada.
- deus: coleção desenvolvida para participar do Ideia Moda, no Paraná Business Collection/5ª edição. A criação do mundo foi o tema – um parto dolorido que expõe a presença feminina no nascimento da terra.
- sem título, °1” ou autocura: o processo artístico que Alexandre Linhares sempre utiliza na concepção e confecção das peças é exaltado e ele assume de uma vez por todas que “faço esculturas de tecido”.
- o nome dele em mim: a inspiração é o seu pai e o seu universo. O vídeo foi feito num sinucão – ícone masculino da diversão.


 foto: Gio Soifer

"Quem possui a faculdade de ver a beleza não envelhece"- Franz Kafka.

- Querido Franz: a referência é Franz Kafka, um convidado muito especial no “fazer” do estilista, que lhe escreve uma carta português/alemão, e sem esperar resposta do escritor, o “hospeda” em seu atelier.

Para ver a publicação original, clique aqui: 

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